SER AMIGO DE JOÃO LOURENÇO É CONDIÇÃO “SINE QUA NON”

O Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) de Angola – órgão ao serviço exclusivo do Presidente… do MPLA – nomeou Carlos Cavuquila, condenado num processo envolvendo fundos públicos, como juiz conselheiro do Tribunal Supremo, segundo uma resolução publicada em Diário do Reino.

Carlos Cavuquila, vogal do CSMJ, tinha sido anteriormente indicado como vice-presidente do júri de um concurso curricular para o recrutamento de cinco juízes do Tribunal de Contas, mas foi travado, em Maio, por uma deliberação do plenário deste órgão.

Segundo a deliberação, Carlos Cavuquila tem dois processos pendentes, um dos quais transitado em julgado, em que foi condenado a devolver ao Estado mais de 29 milhões de kwanzas (54 mil euros), que ainda se encontra em execução, e um outro, a correr ainda trâmites, envolvendo valores aproximados de 1,4 mil milhões de kwanzas [2,5 milhões de euros] e 177 milhões de kwanzas [317 mil euros], respectivamente.

Segundo a resolução, o plenário do CSMJ decidiu designar Carlos Cavuquila para o provimento da vaga de juiz conselheiro, reservada a juristas de mérito “por se tratar do candidato imediatamente a seguir na lista de graduação final” do concurso curricular para preencher oito vagas de juízes conselheiros, estando ainda uma vaga em aberto.

Carlos Cavuquila, que foi administrador do município do Cacuaco, em Luanda, é actualmente vogal do CSMJ, órgão presidido pelo juiz Joel Leonardo, também presidente do Tribunal Supremo e que tem estado no centro de várias polémicas, associado a suspeitas de venda de sentenças, má gestão e nepotismo.

Vejamos o que, no artigo “Um condenado para juiz do Tribunal Supremo”, escreve o Maka Angola:

«Já está! Mais uma estupidez para aprofundar a crise no poder judicial. Quando se pensava que pior era impossível, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) deliberou enterrar-se bem fundo na lama.

Através da Resolução n.º 7/23 de 14 de Junho, o Plenário do CSMJ deliberou designar Carlos Alberto Cavuquila (na foto) como juiz conselheiro do Tribunal Supremo, na qualidade de jurista de mérito. Recentemente, o consenso dos juízes do Tribunal de Contas considerou que Carlos Cavuquila, na qualidade de membro do CSMJ, não tinha idoneidade para fazer parte do júri de um concurso para escolher novos juízes desse tribunal, uma vez que contra ele haveria dois processos judiciais. No primeiro, transitado em julgado, Cavuquila foi condenado a reintegrar ao Estado 29 milhões de kwanzas, encontrando-se em execução no Tribunal Provincial de Luanda. O segundo corre trâmites na Segunda Câmara do Tribunal de Contas, impendendo um procedimento por responsabilização financeira sancionatória e reintegratória no valor de 1,402 mil milhões de kwanzas, e outro no valor de 117 milhões de kwanzas.

A Justiça não é uma brincadeira e não se compadece com este género de nomeações. Não se nomeia como juiz do Tribunal Supremo alguém que foi condenado a devolver dinheiro ao Estado num processo por mau uso de fundos no exercício de funções públicas – neste caso enquanto administrador do município de Cacuaco (Luanda) – e que tem, ainda, outro processo contra ele.

Três notas têm de ser feitas.

A primeira é que esta deliberação não é da Comissão Permanente do CSMJ, mas de todo o Plenário, tornando assim todo o corpo de conselheiros responsável por esta deriva indescritível na credibilidade da Justiça. Ao não pôr termo à espiral de desmantelamento do sistema judicial, o CSMJ está a prestar um mau serviço à pátria e à causa da Justiça.

A segunda nota é que esta crítica à nomeação de Carlos Cavuquila não coloca em causa a nossa profunda convicção e crença na reintegração social e reabilitação de qualquer condenado.

No entanto, como em tudo, há equilíbrios e limites. A Justiça vive da imagem de seriedade, de quase sacerdócio, em que se exige uma dignidade moral elevada e idoneidade a toda a prova. Num momento como este de crise, é absurdo ir buscar um homem que foi condenado pela Justiça para ele próprio aplicar a Justiça.

A terceira nota é sobre a designação de Carlos Cavuquila como jurista de mérito. Qual é o fundamento para essa classificação? Quais os contributos de Cavuquila para a evolução da ciência legal? Será considerado mérito ser-se um militante do MPLA a contas com a Justiça por descaminhos de fundos? Será esse o significado da palavra mérito no léxico dos dirigentes e magistrados que o escolheram?

No entanto, a verdade é que o CSMJ deliberou nomear Carlos Cavuquila. E agora? Agora, como tudo o que esta Constituição tipicamente despropositada prevê, cabe ao presidente da República tomar a última decisão.

Na verdade, nos termos do artigo 180.º, n.º 2 da Constituição da República de Angola (CRA), cabe ao presidente da República, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura Judicial, nomear os juízes do Tribunal Supremo. Isto significa que há intervenção de dois órgãos para nomear um juiz do Supremo: o CSMJ e o presidente da República.

Nem o presidente da República pode colocar alguém no Tribunal sem indicação do CSMJ, nem este órgão pode directamente designar um juiz do Tribunal do Supremo. Tem de haver uma conjugação entre os dois, CSMJ e Presidente da República.

Neste preciso momento, temos meio caminho feito – aquele que corresponde à proposta do CSMJ. Compete agora ao presidente da República aceitar ou não essa proposta. É preciso sublinhar este aspecto: o presidente da República não é obrigado a aceitar a proposta do CSMJ.

Aliás, se tomarmos à letra o discurso proferido hoje mesmo por João Lourenço na cerimónia que assinalou o 15.º aniversário da institucionalização do Tribunal Constitucional, torna-se evidente que o presidente terá de contrariar o CSMJ:

“O respeito às leis e às instituições é a base da construção de um Estado Democrático de Direito. A suspeição permanente e infundada mina a credibilidade das instituições e atrasa o processo de consolidação da democracia.

Exorto, por isso, que trabalhemos juntos para que o Tribunal Constitucional da República de Angola e todos os outros Tribunais continuem a ser instituições de prestígio, para que o nosso sistema de justiça seja cada vez mais forte e esteja à altura das expectativas legítimas dos cidadãos.” (João Lourenço, 16 de Junho de 2023)

Convém ler o que o Estatuto dos Magistrados Judiciais prescreve em termos do perfil legal do juiz. O artigo 41.º n.º 1, alínea c) é bem claro ao exigir que todo o juiz possua idoneidade moral e cívica para entrar na carreira. Por maioria de razão, essa idoneidade moral e cívica acentuada é condição sine qua non (sem a qual não) para se aceder ao Tribunal Supremo.

É evidente que uma pessoa condenada a reintegrar ao Estado 29 milhões de kwanzas, e em processo de execução por não ter pagado espontaneamente o valor, não tem idoneidade cívica.

Alfredo Castanheira Neves, em Advocacia: Que Fazer?, página 21, a propósito dos advogados, mas com raciocínio aplicável aos juízes, escreve: “O Advogado sempre terá que ser um servidor do Direito e da Justiça, para o que antes de qualquer outra deverá dispor de necessária autoridade moral. Mal se compreenderá (e mal se aceitará!) a hipocrisia da atribuída defesa do Direito e da Justiça, a quem já provou ser incapaz de se determinar pelos seus princípios.”

Ora, esta lógica tem de ser aplicada a Carlos Cavuquila – por força da lei, e não de qualquer opinião de colunista, jornalista ou comentarista. A lei existe e é para ser aplicada.

A destruição dos pilares do Estado de Direito por Joel Leonardo, seus associados no poder judicial e a “mão invisível” que os promove e protege coloca João Lourenço numa posição cada vez mais insustentável. Naturalmente, compete ao presidente da República, como guardião dos valores fundamentais da Constituição e garante do bom funcionamento das instituições, travar mais esta deriva manifestamente ilegal do CSMJ e do seu presidente, Joel Leonardo.»

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